Tempo, tempo, tempo, tempo.

“Eu costumava achar que esse era o início da sua história. Memória é uma coisa estranha. Não funciona como eu imaginava. Estamos tão presos ao tempo. A sua ordem… Mas agora eu já não estou tão certa se acredito em inícios e fins.”

Esse texto começou quando resolvi assistir ‘A Chegada’ (2016) novamente. Não é um filme que eu vi no cinema, muito pelo contrário. Apesar de parecer o tipo de filme que merece uma tela grande, eu só assisti pela primeira vez na casa da minha sogra num domingo qualquer. E ver filme em casa com muita gente é aquela coisa, né? Tem um telefone que toca, alguém que vai beber água, sempre tem aquela cota de interrupções e etc.. E aí, meses depois, me deu a vontade de rever. Seria tão bom quanto a memória indicava? Pensei: porque rever um filme? Ainda mais sem a certeza de que ele valeria a pena. “Obstáculos” não faltaram. Comprei, baixei, dei o play e, logo na primeira cena o grande acontecimento do filme estava claro. No primeiro frame. Na primeira frase. Estava tudo lá o tempo todo. Aquela “pegadinha” no final não era pegadinha. O filme não me enganou, eu me enganei… e eu achei fantástico ter sido tão bem enganado. Por isso, queria dizer a todos vocês: assistam ‘A Chegada’ de novo.

“Se você pudesse ver cada momento da sua vida, você mudaria as coisas?”

‘The Arrival’ (no original) é um filme de Denis Villeneuve que conta a história de Louise Banks (Amy Adams) uma professora de linguística que é convocada pelo exército americano para ajudar a estabelecer uma comunicação com uma nave alienígena recém chegada no planeta. Você pode olhar para um filme de várias formas e esse não é diferente: pode ver um filme de ET; um filme sobre comunicação; um filme sobre tradução; um filme sobre cooperação; um filme sobre viagem no tempo ou um filme sobre aproveitar cada momento da sua jornada. E foi aí que eu bati em ‘Questão de Tempo’ (2013), um filme que eu lembro exatamente do porquê fui ver (um colega de faculdade comentou no Facebook), com quem fui ver (minha esposa) e como me senti durante e depois do filme (encantado por Bill Nighy e Rachel McAdams, que vivem pai e esposa do protagonista). E porque ele se parece com o tema do texto? Dois motivos, o primeiro é que o filme também parece uma coisa a primeira vista e te entrega outra. Ele parece uma comédia romântica de um casal que se desencontrou porque o cara resolveu voltar no tempo pra ajudar um amigo com problemas. E aí parece que serão duas horas do Tim (vivido por Domhnall Gleeson) tentando reencontrar Mary (Rachel McAdams a eterna Regina George de ‘Meninas Malvadas’). Só que tudo isso se resolve rápido, o casal se reencontra logo e a história avança pra temas mais complexos. Os dilemas éticos de um viajante do tempo. E aí temos a segunda coincidência: ‘About Time’ (no original) também é um filme sobre escolhas.

Se você, assim como eu, viu ‘De Volta Para o Futuro II’ ainda criança, imagino que também tenha ficado encantado com carros e skates voadores. Eu fiquei e sonhava em ter um skate voador mesmo não conseguindo ficar em cima de um skate com rodas na época. Um pouco mais velho, talvez você tenha pensado que o maior “trunfo” dessa história era ter o guia que Marty McFly compra em 2015 e o velho Biff Tannen entrega a si mesmo em 1955. Num mundo onde temos os mais variados tipos de apostas esportivas, ter um guia com todos os resultados das principais ligas esportivas norte americanas por 50 anos deixaria qualquer um rico (assim como o Biff do universo alternativo)! Mas já parou pra pensar que se você tem mais de 30 anos e entregasse o guia pra você mesmo antes dos 18, teria grande chance de não conhecer os seus amigos de hoje? Que provavelmente não teria conhecido seu marido ou esposa atual? Que não teria vivido grande parte das suas histórias? E que se ainda tivesse essas histórias na memória, elas seriam só suas? Nada de compartilhar com ninguém. Nada de sentar no bar e recordar. Nada de contar as mesmas histórias pra filhos e netos. Louise Banks, no ‘filme de ETs’, tem essa descoberta em um evento transcendente com os alienígenas, uma epifania. Para ela, a linearidade do tempo acaba e ela vê tudo como um grande círculo sem fim ou início. Já o Tim, no ‘filme romântico’, recebe do pai a notícia de que pode voltar no tempo e vai descobrindo na tentativa e erro como isso afeta a sua vida. A primeira lição que a vida dá é que viajar no tempo não resolve todos os seus problemas. E que ainda pode criar alguns novos.

“Então, Hannah, aqui é onde sua história começa. No dia em que eles partiram. Apesar de conhecer a jornada e onde ela leva… eu a acolho. E saúdo cada momento dela.”

Quando você ouve a frase acima na primeira vez em que assiste ao estranho ‘filme sobre tradução’, normalmente é o momento em que se dá conta de que o início do filme não era uma visão do passado, era uma visão do futuro. E aquele recém conhecido colega de trabalho vai ser o pai da filha que vimos nascer, crescer e morrer nos braços da Amy Adams no “começo” da história. Essa surpresa me fez perder uma coisa importante: a Dra Banks aparece em momentos diferentes (só que conectados) refletindo a mesma decisão de abraçar a jornada, iniciar o relacionamento, ter a filha, rir, chorar… mas viver todos os anos de vida, doença e falecimento da Hannah. Após a partida dos extraterrestres, O primeiro abraço dela no pai da filha é seguido da frase “Esqueci como é bom sentir seu abraço”. Ela já transcendeu o tempo. Ela já está escolhendo viver essa jornada. Ela está reflexiva. Ela parece estar vendo e sentindo tudo de novo. Mas assim que o marido pergunta “Quer ter um bebê?” a resposta é um imediato “Sim”.

Mesmo com autores, diretores, roteiristas e atores completamente diferentes, mesmo em universos e histórias tão distintos essas obras chegam a mesma conclusão: Aproveitar cada momento da jornada é o que torna essa viagem única. Então refaço a sugestão: reveja ‘A Chegada’. Se você abraçar a jornada, eu garanto que vai valer a pena.

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