Há 8 meses eu comecei este (ou o que deveria ser este) post. Parei, bem descontente com o formato do que escrevia mas segui inquieto e apaixonado demais pela ideia de escrever sobre Fury Road. É um filme hipnotizante.
Semana passada num bar, um grande amigo soltou a seguinte pérola: “Mad Max é um filme sem alma”. Ele foi devidamente execrado pelo resto da mesa, mas pra mim não era o suficiente. Eu não queria atirar nele apenas a galhofa crítica e até razoavelmente intolerante da mesa de bar. Eu queria falar sério! A paixão pelo filme do George Miller atacou minha preguiça numa batalha de megazords, saiu dela vencedora e trouxe este texto para falar com esse gordinho rebelde e, também, com todas as pessoas que compartilham de tal opinião herética.
Eu não sou crítico e isso aqui não é uma critica (“profissional” ou amadora). Isto é um depoimento de alguém que saiu profundamente impactado da sala de cinema: Mad Max: Estrada da Fúria (Mad Max: Fury Road, no original) é um filme com muito a dizer e que, avaliado com cuidado provoca muito o que pensar. Por quê? Porque ele define muito bem dois elementos essenciais para te jogar de cabeça numa história: um mundo complexo e ótimas jornadas pessoais.
Antes mesmo do letreiro, fui apresentado a um ambiente seco, violento, estranho, claustrofóbico e desesperador. Um deserto que se perde no horizonte, um lagarto de duas cabeças sendo comido cru, um ermitão perseguido alucinadamente por war boys suicidas, a objetificação das pessoas em um labirinto de cavernas escuras… e nenhuma chance fuga! O mundo está ao contrário e é impossível não reparar. Em pouco tempo você descobre que neste universo o poder está vinculado ao controle de leite, armas, gasolina e água.
Nada é explicado de forma didática como o buraco de minhoca em Interestelar (rs) mas a informação está ali, sempre ao alcance. Me mostram que alguns poderosos se cercaram de uma infra-estrutura “confortável”, que tem um séquito de jovens religiosos suicidas para defender seus interesses e que, quando tem vontade, jogam migalhas a maioria da população miserável. Viver é uma merda inimaginável.
No meio de tudo isso vejo pessoas procurando seu lugar nisso tudo. Uma mulher determinada em busca de redenção, um jovem procurando feitos notáveis que garantam seu lugar na eternidade, um grupo de mulheres que querem ser gente e um homem em crise com o próprio passado que só quer fugir de tudo e de todos.
Hoje todo mundo quer ser foda (digdim), todo mundo tem medo de ser medíocre, de ser mais um e isso me incomoda. Pode parecer que eu estou falando da trajetória do Nux mas me refiro a reclamação mais comum: não é um filme do Max porque ele não fala. Essa é a geração do excesso de iniciativa, da proatividade estéril, “Fale rápido! Não importa o que. Só seja o primeiro a levantar o braço e vão achar que você é bom”. Na verdade vou além, temos uma geração de espectadores que acredita no herói brucutu, o “one man army”. Max é um personagem principal, assim como Furiosa e Nux. Cada um, a sua maneira, é essencial para dar corpo ao filme.
Podem surgir spoilers com força agora!
Max Rockatansky é um homem que enlouqueceu por não conseguir proteger um grupo de ‘sobreviventes’ na Wasteland. Aparentemente sua família estava entre as vítimas. Fugindo dos vivos e dos mortos ele vaga, completamente desequilibrado mentalmente, pelo deserto até ser capturado e transformado em bolsa de sangue por um grupo de kamicrazy. Max quase não fala porque vive sozinho há tempos. No começo ele grunhe… mas raramente vai além dos resmungos. Ele não quer salvar a sociedade, ele só quer sumir.
Furiosa é uma mulher que aparentemente foi prisioneira (vide cicatriz no pescoço) e hoje trabalha para o Immortan Joe. Como recurso de confiança (deve ter bastante tempo de serviços prestados), conduz uma War Machine entre as cidades vizinhas (Citadel, Gas Town e Bullet Farm) para aquele escambo nosso de cada dia. A trama do filme começa quando a personagem de Charlize resolve fugir levando todas as noivas-prisioneiras de Joe e buscando sua redenção em um lugar melhor e mais verde.
As cinco noivas (The Splendid Angharad, Toast the Knowing, Capable, The Dag and Cheedo the Fragile) começam o filme frágeis, escondidas, fugindo do cárcere onde são abusadas por Joe para darem a luz a filhos perfeitos em um mundo pós apocalíptico. Se livrar dos cintos de castidade foi o maior símbolo da mudança de patamar e inicio da independência destas mulheres. Elas só querem ser alguém.
Nux é um moleque que vive do fanatismo religioso, idolatra igualmente tanto Immortan Joe quanto motores V8 e sonha ir cromado e brilhante para o Valhalla. Uma teoria sem pé nem cabeça que faz com que um exercito de jovens aja como loucos na estrada procurando a “morte honrada” em uma guerra que eles não fazem ideia do porquê lutam. Mas sabem que no outro mundo um McBanquete aguarda aqueles que fugiram da mediocridade em vida. Mesmo a beira da morte ele vai para a caçada a Furiosa e leva sua bolsa de sangue rumo a morte gloriosa.
Todo esse caldeirão de desgraças e desejos de uma vida (ou morte) melhor tem inicio, meio e fim na estrada. Esses personagens se cruzam, se confrontam e se encontram as vezes buscando algo que é impossível de ser atingido. As vezes voltando para tentar curar o mundo que se tem. Porque como disse lá no começo: não existe fuga possível neste mundo.
E agora eu te pergunto: como pode ser um filme que trata disso tudo ser um filme sem alma, meu caro?