O que você sabe? O que você pode provar?

Você se dedicou para entrar numa vaga e ela significa um puta crescimento profissional pra você. Enfim jogando entre os grandes, você é o cara novo na polícia em seu primeiro dia na nova função e está acompanhando Alonzo Harris (Denzel Washington). Ele é como uma Miranda Priestly da Narcóticos: Depois de um tempo trabalhando bem com ele, você tem passe livre pra qualquer vaga em qualquer lugar. Só que antes que consiga entender como e porque foi parar ali, você se vê na sala de um ex-informante de Alonzo. O dono da casa está sentado na poltrona, morto com um tiro no peito, enquanto os ex-parceiros (atuais cúmplices) de Denzel estão com pás e picaretas na cozinha desenterrando alguns na milhões de dólares que serão apreendidos.

Mas a parte surreal ainda está por vir e você ainda será testado duas vezes. Na primeira, ao descobrir que nem todo o dinheiro irá para o depósito de evidências da polícia. Uma parte será desviada e dividida de forma igual entre todos os presentes. Já está claro que sim, você foi até lá para ajudar a equipe de confiança de Alonzo a roubar e matar um sujeito de forma covarde. Felizmente você tem princípios e, incomodado, não aceita o dinheiro… nesse exato momento você vira um alvo. Todos se voltam contra você porque, ao testemunhar o esquema e não se tornar cúmplice, você é um grande risco ao grupo. Apesar de ter falhado no seu primeiro teste, seu “chefe” consegue acalmar os ânimos.

Quando todos retornam a sala, começa seu segundo teste. Antes de chamar socorro, o grupo começa a refazer a “cena do crime” para alinhar o discurso e tornar essa criação coletiva um fato. Eles concordam que o morto reagiu à prisão (mentira), baleou um dos policiais (mentira) e você (!!!) matou o cara defendendo o “colega” policial (MENTIRA!!). Óbvio que você não concorda mas… 4 prestigiados policiais dizem ter testemunhado a cena. E agora?

“It’s not what you know, it’s what you can prove.”

Não é sobre o que você sabe, é sobre o que você pode provar.

Esse é um exemplo Hollywoodiano e por sorte você, na verdade, Jake (Ethan Hawke) tem roteiristas a seu favor enquanto busca uma saída dessa zona toda até o fim do (bom) filme Dia de Treinamento (2001). Mas esse cenário mostra o porquê ambientes corruptos são tóxicos. Onde o certo é ser o errado, você expõe o honesto ao constrangimento que o corrupto deveria passar. Quando falamos de instituições que deveriam vigiar, proteger o cidadão correto e punir o errado a coisa fica ainda pior. Quem vigia os vigias? Quando você dá poderes pra que Dexter (leia aqui sobre o tema) resolva quem é bom e quem é mau, ele não corre o risco de virar um Alonzo? Quando você aplaude o resultado sem se perguntar se tudo foi feito de forma correta por um “cidadão de bem”, está sendo conivente? Os fins justificaram os meios? Ou só até o justiceiro fora de controle se voltar conta você?

“You wanna go to jail or you wanna go home?”

Você quer ir pra cadeia ou quer ir pra casa?

Alonzo repete essa frase várias vezes. É uma tentativa de mostrar que lutar contra o Sistema vai te dar trabalho imediato. Quem escolheria ir pra cadeia? Quem quer complicar a própria vida assim lutando contra o inevitável? Quem não reflete seus princípios com uma arma na cabeça e um filho pra criar? Porque convenhamos, dificilmente você vai mudar o mundo sozinho. Só que mesmo sabendo que “o Sistema é foda, parceiro…“, como diria Mario Sérgio Cortella, não adianta ficar só no ‘alguém tem que fazer alguma coisa’. Cada um de nós pode contribuir um pouco e eu convido todos os meus 4 leitores a repassar alguns pontos comigo: Viver em sociedade é difícil, viver com as outras pessoas é difícil. Viver em conjunto é difícil, criar consenso é difícil. E não é difícil uma vez, é difícil todo dia. Tenta marcar um churrasco com amigos que não se veem há algum tempo. Se não tiver um debate sobre datas, formato, lugar e outros detalhes tem alguma coisa muito errada (ou muito certa?) nesse grupo. E é um churrasco feliz entre amigos. Estar junto requer comprometimento, paciência, atenção, dedicação, empatia, requer uma penca de coisa… todo dia. Mas mesmo sendo difícil, por algum motivo perdido lá nas cavernas, concluímos que é melhor viver junto do que separado. Então precisamos nos envolver profundamente nesse dia a dia rico porém complexo… ou delegar pra alguém cuidar disso por nós.

Agora, meu caro leitor, você saberia quais aspectos da sua vida você está agindo de forma consciente e em quais está delegando e confiando única e exclusivamente no bom senso de alguém? Seja a criação/aplicação da lei a um policial, ou a educação do seu filho a TV ou ao iPad, ou no uso do dinheiro público dos nossos governantes, ou nas obras de infra-estrutura que o síndico do seu prédio está fazendo… você, meu caro, assina todas essas decisões. Mesmo que pela omissão, você assina embaixo. Então pense: Você é agente ou é paciente? O quanto de si você dedica as suas decisões? O quanto você se questiona pela manhã no espelho? Viver não é fácil. Ser adulto não é fácil.

A magia do cinema faz o bem vencer o mal. Ela simplifica e dá contornos definitivos a um trabalho que é diário e sem fim. Abrir mão de participar das decisões, de entender os impactos do que é escolhido pode criar fenômenos como Alonzo, que ganhou poderes infinitos em nome da segurança pública. Os fins não podem justificar os meios porque, como disse Dr Manhattan: não há um fim definitivo, só há transformação. E não é porque a situação atual está ruim que você vai assinar um cheque em branco pra alguém resolver o seu problema. Sendo assim sugiro cuidado ao dizer que “Qualquer coisa é melhor que isso” porque qualquer coisa pode ser muita coisa. E aí você sai da frigideira para pular direto no fogo.

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