Superproduções e diversidade são opostos?

Há alguns meses, diversas pessoas dos mais variados pontos do planeta foram levadas ao Japão pela produtora/distribuidora de Ghost in the Shell (2017). Essa galera foi até lá para assistir o lançamento do trailer da adaptação para o cinema do anime de mesmo nome de 1995 e participar de uma entrevista com Scarlett Johansson, a protagonista do longa. Como sabemos que ninguém te leva a Tóquio de graça, obviamente todos encheram suas redes sociais de posts e seus sites de comentários sobre a produção. Alguns conseguem se manter isentos em suas críticas, outros parecem que só não tem #ad no fim porque não teve um depósito em dinheiro na conta. Mas, o ponto importante é que a proximidade do lançamento reviveu uma polêmica adormecida: a escalação de Scarlett para o papel da Major Motoko Kusanagi.

A história do longa se passa no Japão assim como a animação. Mas ao contrário dos personagens japoneses do original, o “núcleo principal” do cinema nada tem de oriental. Em resumo: A galera está reclamando que Hollywood mais uma vez pintou de branco uma história antes de levar para a tela grande.

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Isso é novidade em produções culturais?

O histórico de atores brancos interpretando personagens orientais em Hollywood é gigante. E quanto mais voltarmos no tempo, mais estereotipados/ ofensivos serão esses eventos. Não vou entrar na discussão sobre os benefícios que traz para um grupo de pessoas se sentir representado em peças culturais como livros, filmes, peças de teatro e etc. porque é um tema complexo e não é o objetivo desse texto. Caso você tenha dúvida, cito o exemplo da Tenente Uhurra de Star Trek (1966) que inspirou tanto a 1ª mulher astronauta como a 1ª mulher negra astronauta. Leia mais aqui e aqui.

Hoje quem não se sente representado é livre pra botar a boca no mundo e se fazer ouvir mesmo que em seu círculo em redes sociais. E, enquanto lia um post/apedrejamento no Facebook sobre o tema me perguntei: e se eu fosse o presidente do estúdio ou produtor executivo do filme? Será que arriscaria um filme que precisa faturar algumas centenas de milhões de dólares pra ser considerado bem sucedido com um rosto desconhecido (mundialmente) como protagonista? Vou além, eu arriscaria tudo isso sem um ator principal que funcionasse como um imã de dinheiro pra colocar a cara dele em todos os cartazes que serão espalhados pelo universo? Vale lembrar que “um filme” é igual a um caminhão de dinheiro e muitos empregos (incluindo o meu próprio). Partindo do princípio que o executivo não toma as decisões baseado em má fé e sim no que é melhor pro seu negócio a minha resposta foi: não sei. Não acredito que há sentido na crítica pela crítica. Acho banal dizer: “Eles tem muito dinheiro e podem arriscar” porque imagino que também tenham muitas despesas. Deve ser difícil achar um investidor focado apenas no “amor a arte”. Nesse momento, minha atenção se voltou para o que me parece ser o principal tema a ser questionado aqui: mega-eventos-culturais-de-massa (no cinema). É possível ter um blockbuster sem um artista classe AAA americano protagonizando a peça?

A obrigação de fazer centenas de milhões é a base para a redução de riscos.

No futebol se diz que ganhar de 3×0 é MUITO mais fácil do que TER QUE ganhar de 3×0. A obrigação de virar um placar adverso torna a tarefa infinitamente mais difícil do que atingir resultado com naturalidade, sem pressão. E podemos dizer que os blockbusters são isso: eles custam fortunas e vão para as salas com a obrigação de virar um placar ultra adverso. Por volta de $100MM de dólares adverso. E aí tudo se complica… As maiores bilheterias do ano desde Independence Day (1996) custaram mais de $100MM cada. Quem coloca uma grana dessas em um filme espera um retorno alto. Muito alto, por sinal. Exemplo: Superman Returns (2006) custou $232MM e faturou $374MM no mundo. Um resultado ruim o suficiente pra aposentar os planos da Warner com o herói mais icônico de todos os tempos por quase uma década. E aí o retorno do homem de krypton aos cinemas foi com Man Of Steel (2013). Ele foi o início de uma nova franquia que teve sua grande aposta em Batman vs Superman (2016). O filme, que despertou amor e ódio, custou $250MM e fez $868MM no mundo. E foi considerado um fracasso. UM FRACASSO QUE FATUROU 800 MILHÕES DE DÓLARES. Pode? Bom, Captain America: Civil War (2016) estreou menos de 2 meses depois e faturou $1,2Bi no mundo. Aí o investidor pensa: faturamos 28% a menos que o concorrente.

A necessidade de retornos astronômicos faz com que a indústria aposte alto nos indivíduos “mais capazes” de reverter esse placar adverso. Já ouvi diversas vezes que “estudos apontam que a decisão de qual ingresso comprar em X% dos casos está na porta do cinema de olho no cartaz”. E é por isso que o cartaz sempre tem a cara da estrela. É por isso o heróis tem que tirar a máscara. Ninguém quer pagar US$30MM pro Will Smith e não colocar a cara dele no cartaz. Ele é fator de decisão na escolha do filme. Há pouco tempo, Smith era um dos atores com maior média de faturamento no cinema com impressionantes US$132MM/filme! Smith é uma aposta segura. Outra coisa que a indústria também faz pra reduzir os riscos é produzir uma infinidade de adaptações, séries e reboots. Medo. Baixo risco. Zero ousadia. Das 50 maiores bilheterias do cinema até hoje só 8 não eram (na época) adaptações e/ou franquias de sucesso. Oito de cinquenta. Ou seja, na dúvida não arrisca, faz o básico, vai na bola de segurança e venda para as pessoas uma história que eles já conhecem. A não ser que você tenha dinossauros ou seja o James Cameron.

A dúvida é: Precisamos de blockbusters? Eles concentram uma quantidade gigante de recursos, diminuem a variedade de produções na tela grande, rodam mais do mesmo com frequência… Mas, por exemplo, Avatar e seus avanços tecnológicos só são possíveis nesse modelo. Mesmo que você não goste do filme, deve reconhecer que ele mudou a industria do cinema popularizando as salas 3D. Pense que Vingadores, Mogli, Titanic, E o vento Levou, Jurassic Park, O Senhor dos Anéis e mais uma penca de filmes só são possíveis com orçamentos milionários. Até La La Land (2016) custou $30MM e é um musical, cara! E agora? Pequenos orçamentos geram oportunidades para soluções criativas… mas grandes orçamentos permitem a criação de determinados avanços tecnológicos. E, de certa forma, os blockbusters ajudam o estúdio a financiar outros filmes menores, correto? E agora? Parece que as super produções são um mal necessário.

Mas e se o diretor/produtor quisesse arriscar… quem seria a escolhida? Quais as opções disponíveis?

Do outro lado, o meu “eu produtor” teria dúvida: quem eu escolheria para o lugar de Scarlett Johansson? Que atriz japonesa seria capaz de estrelar um filme de ação Hollywoodiano? Que nome seria capaz de levar multidões as salas? Não sei. Juro que sem Google não lembro. E se não vem de cara é bem capaz de não ser unanimidade. Então pra esse filme eu não conseguiria uma solução que atendesse a todos (público e investidores). Mas eu sou um produtor preocupado com o futuro e quero investir na minha protagonista de amanhã. Como “formar” um grupo de atores diverso? A minha resposta seria apostar nas pequenas/médias produções.

Vejam o exemplo de Deadpool (2016) já citado no blog (leia aqui). O orçamento irrisório para uma produção de heróis ($58MM) e o apoio da internet na cena “vazada” deu liberdade para os criadores. A falta de verba fez os roteiristas inventarem que o herói perdeu as armas no fim do filme e, em vez de um tiroteio gigante, “a grande cena de ação final” da trama teve que ser resolvida de outra forma. A coisa toda funcionou, o público se divertiu e o filme faturou $784MM no mundo. Já Creed (2015), também citado aqui no blog, parte do universo de Rocky Balboa para iniciar uma nova franquia. Ele custou $37MM e faturou $173 no mundo. E como se não bastasse nos apresentou um elenco de ótimos atores negros como Michael B Jordan, Tessa Thompson e o promissor diretor e roteirista Ryan Coogler.
Aliás, sabe quem vai dirigir Pantera Negra (2018) da Marvel? Isso mesmo, Ryan Coogler. A produção terá um elenco majoritariamente negro já que se passa na fictícia Wakanda na África. Mas pense que, foi um filme de orçamento pequeno Fruitvale Station (2013) que levou Ryan a um médio (Creed) e agora a uma superprodução. Oportunidade e mérito. Sem um ciclo como esse não teremos opções “testadas” para um momento de desafios realmente grandes.

Duas provocações para terminar:
– Se colocassem a Lucy Liu (americana mas filha de chineses) para interpretar a Major em Ghost In The Shell, você se sentiria menos incomodado? E um japonês será que sentiria o mesmo? Cuidado para que seu inconformismo não vá só até onde lhe convém;
– Palavras são importantes mas e seu dinheiro, vai pra onde? Só defender o discurso não te faz o equivalente do “não tenho dinheiro mas pago com visibilidade”? Você procura a pequena produção que apoia a diversidade? Você paga ingresso pra ver esse filme? Você compra DVD? Camisa? Você remunera as realizações que estão de acordo com seu discurso? Ou você prioriza a produção cara que gastou mais um caminhão de dinheiro em marketing e levou todo mundo pra passear em Tóquio?

Eu não tenho a pretensão de ter respostas definitivas porque não acho que as respostas sejam óbvias. Eu quero que você, assim como eu pense nisso. Não vamos mudar o mundo em 15 minutos. Mas temos que continuar avançando rumo a uma situação melhor. Para todos.

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